O visitante


Hoje acordei e ao abrir meus olhos deparei-me com ele! Não me causou espanto ou mesmo me assustou. Somos velhos conhecidos. Sua presença me acompanha a longas datas.
Já não me incomoda mais sua face carrancuda ou seus olhos chispados de tensão e de ironia. Me incomoda o peso de ter que carregá-lo em minhas costas... Arrastá-lo para todos os lados como um preso arrasta suas correntes de ferro... Que fardo!
Escorrego da cama e sentada penso que vai ser um longo dia.
Sigo em frente no piloto automático, já que na verdade, não sou eu quem me conduz. Hoje quem tem as rédeas, a direção, é ele!
Todos os meus atos, minhas falas e até meus pensamentos hoje não são verdadeiramente meus. Ele sempre age por mim. Fala por mim. Pensa por mim.
Sou marionete, sou fantoche em suas mãos.
Houve tempos em que tentei me libertar. Quando percebia sua presença, fugia. Cantava. Assobiava. Trabalhava feito louca. Hoje não tento mais resistir... Se ele quer vir, então, que venha!
Afinal, como posso me exorcizar de mim mesma? Daquilo que também sou eu?
Melhor aceitar e conviver com ele.
Nestes dias em que eu sou ele (ou ele sou eu?) é melhor manter distância. Tentar me ajudar vai ser em vão...
Este visitante incômodo age sempre desta maneira: chega sem avisar, fica o tempo que bem quer e vai embora sem se despedir.
Tomara mesmo ele ir!
Ô mau humor que não me deixa!!

(Elís Cândido, julho de 2010)

Duas existências




Numa casa em que faltava
A luz o ar e pão
Entrara ela na vida
Tendo ao seu lado um caixão;

Pois no dia em que nascera
Morrera seu pai também!
Vira assim a luz do mundo
Sozinha com sua mãe!

Num rico, claro aposento
Entre veludos e rendas
Onde as mais pequenas fendas
Para não entrar o frio,
Embora fosse no estio
Se tinham calafetado,
Onde tudo era alegria,
Onde tudo era cuidado
Tinha no mundo ele entrado
Em um esplendido dia!

Crescera só rodeada
Pela dor, pela pobreza,
Pela fome, pelo frio,
Pela miséria e tristeza

Crescera ele ao contrário
Entre risos d'alegria
Entre abundância, opulência
E tendo tudo o que queria.

A mãe dele mui doente
Não podia trabalhar:
A linda e pobre Maria
Tinha pois que a sustentar
Para isso noute e dia
Estava sempre a costurar!

Ele não, não trabalhava,
Alegre vida levava,
De cousa alguma cuidava,
Excepto dos seus prazeres.
Gastava dinheiro a rodos
Mas era célebre entre todos
Pelos seus trens e mulheres!

Maria como uma deusa
Era bela era formosa.
Olhos lindos, graciosa
A boca, e as mãos de fada.
Alta não muito, elegante.
A tez do seu semblante
Mimosa mas descorada.
Tinha mui negro o cabelo
E de tal maneira belo
Que qualquer pessoa ao vê-lo
Ficava extasiada!

Também ele era formoso,
O rosto branco e rosado,
O seu lábio por um buço
Louro e fino assombreado.
Era enfim João um moço
Que devia ser amado.

Por grande fatalidade
Encontrara ele um dia
A linda e casta Maria
Numa rua da cidade.
De ver tão grande beleza
Na miséria, na pobreza
Ficara muito espantado.

De Maria o coração
Palpitara ao ver João!...

.........................................

Poe ela ele foi amado!...
Com grande amor inocente.
Amou-a ele também
Porém... Criminosamente!

........................................

Passou-se o tempo e a pomba
Caiu nas garras do abutre!

.......................................

É bem certo que mui zomba
A previdência no mundo
Com um cinismo profundo
Pois em quanto que Maria
Donzela tão desgraçada
Vendo-se ludibriada
Viver mais tempo não queria
E co'a a vida terminava;
Ele, o infante João
Continuava a viver
Rico, alegre e feliz
Numa vida de prazer!...

(Mário de Sá-Carneiro)

Tua nudez

John Vistaunet


A rosa:
Tua nudez feita graça.
A fonte:
Tua nudez feita água.
A estrela:
Tua nudez feita alma.

(Manuel Bandeira)

Li um dia




Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.

Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Digo pra mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?


(Florbela Espanca)

Frases e Pensamentos...

"Viver é inadiável.
Dizer a vida é, muitas vezes, a forma de suportá-la.
Gritar a dor e o prazer, gemer a dúvida e a angústia, sussurrar a ternura, uivar a solidão e o medo...
Dizer é falar com o outro. O grito, o sussurro, o gemido, o uivo, nada são, se não há quem os ouça..."



(Trecho do Prefácio do livro Instantâneos, de Lília Sertã Junqueira)

Sobre palavras e imagens...

Claude Monet
MADAME MONET AND HER
Quem visita este blog ou me conhece um pouquinho, sabe do meu amor pelas PALAVRAS. Aliás, elas foram o motivo maior da criação deste blog. Externar sentimentos, pensamentos, transformá-los em palavras e compartilhá-los. Mas, Santo Agostinho já dizia, em sua vasta sabedoria, que "O mundo é livro. Quem não sai de casa vive apenas uma página". Sendo assim, decidi sair de casa, abandonar minha aldeia e me aventurar por outros lugares, outros caminhos.
Não vou abandonar as palavras. Não! Vou apenas tentar experimentar outras formas de compartilhar a beleza, dividir sensações... Afinal, há coisas tão belas neste mundo que não podem ser traduzidas em palavras, precisam ser vistas, admiradas, sentidas, compreendidas. Em alguns momentos, aqui no blog, vou postar reproduções de pinturas de artistas famosos, belíssimas, dignas de publicidade e admiração. Gosto muito de Arte. Não acho que seja preciso entender de arte para entender a arte. A beleza fala por si. Ela é capaz de romper barreiras, aproximar universos.
Então, não se espante se, entre uma ou outra leitura, você se deparar com uma imagem apenas. Observe-a. Faça sua leitura. Admire sua beleza.
Vai valer a pena, pode acreditar!

(Elís Cândido/julho de 2010)

De quem é a responsabilidade?


É comum caminharmos pelas cidades e nos depararmos com animais errantes, abandonados. Para os que amam os animais, segue-se uma sensação de dó e de impotência, já que não podemos levar todos eles para casa, cuidar e proteger. Para os que não compartilham deste amor, surge o incômodo, o nojo e muitas vezes, a violência.
Mas de quem é a responsabilidade sobre os animais de rua?
O que observamos atualmente é a atuação, ainda tímida, das ONG'S, da união de esforços de algumas pessoas, enfim, do terceiro setor.
Mas e a responsabilidade do poder público? Onde fica? Inexiste?
Entendo que a questão destes animais é sim uma questão de saúde pública. Deveria constar das agendas dos ilustres prefeitos e governadores, já que uma animal de rua pode ser vetor de inúmeras doenças, sem se levar em conta a questão do bem estar do próprio animal.
Investe-se tantos milhões em obras inúteis, que servem apenas para massagear o ego dos senhores políticos. Porque não investir também em campanhas maciças de esterelização e controle da reprodução, abrigos, campanhas de adoção, saúde e bem estar, voltadas para estes animais?
É preciso conscientizar nosso políticos e cobrar deles as atitudes necessárias.
É preciso também que tenhamos consciência da responsabilidade que assumimos ao adquirir um animal de estimação, já que este ficará dependente dos nossos cuidados durante toda a sua vida. E animais vivem muito!
Não podemos nos eximir das nossas responsabilidades, assim como não podemos deixar de cobrar atitudes dos nossos governantes.
Vamos dar voz a quem não pode falar, se defender. Vamos tentar nos unir por um ambiente melhor e mais saudável. Para todos nós.

(Elís Cândido/julho de 2010)

Os Pessimistas




Certa vez, um poderoso rei, para comemorar o aniversário de seu amado filho, resolveu fazer uma grande festa para todos os seus súditos. Entre as muitas atrações do evento, havia um desafio que a todos interessou: era "a escalada ao poste". No alto de um gigantesco mastro havia uma cesta repleta de ouro e de comida. Aquele que conseguisse alcançar o topo daquele poste poderia se deliciar com a comida e pegar para si todo o ouro. Muitos dos que estavam presentes, pretendiam participar daquele desafio. Quando o rei autorizou, foi dado início à prova.

O primeiro a participar foi um rapaz alto e forte. Ele tomou uma distância curtíssima e começou a subir no poste. Não chegara nem à metade, quando, cansado e irritado, desistiu. Enquanto descia, dizia que o poste era alto demais e que não havia nenhuma possibilidade de que alguém alcançasse o prêmio.

Blasfemava baixinho para que seus queixumes não fossem ouvidos pelo rei, mas sugeriu àqueles que se aproximavam dele que não tentassem, a fim de que o rei se visse obrigado a diminuir o tamanho do mastro. Alguns súditos, influenciados pelas palavras do jovem, sentiram-se decepcionados com o rei e foram embora cabisbaixos e choramingando. Outros proferiram contra o rei palavras de desapontamento.

De repente, porém, do meio da multidão surgiu um garotinho muito magro e de aparência franzina. Tomou distância, aproveitando o tumulto criado pelo jovem rapaz que o antecedera, e, correndo como o vento, iniciou sua subida no mastro. Na primeira tentativa não teve êxito. Quando se preparava para tentar novamente, as pessoas ao redor gritavam: "desista! Desista!". Mesmo assim ele persistiu. Parecia mais convicto do que da primeira vez. Afastou-se e, com energia, agarrava-se ao mastro, ganhando altura com muito empenho. Minutos depois, após ter realizado indescritível esforço, o garoto, diante do olhar admirado de todos, atingiu o topo e a cesta repleta de ouro e comida. Alguns o aplaudiram; outros, incrédulos, comentavam a proeza.

O rei, admirado pela determinação do vencedor, imediatamente foi procurar o pai do garoto para buscar uma explicação sobre o ocorrido.
"Meu senhor, como pôde esse menino, tão pequeno e fraco, alcançar um objetivo tão difícil, enquanto todos o instigavam a desistir?" - questionou curioso o soberano.
Sorrindo, com o filho nos braços, o pai esclareceu: "duas coisas motivaram o meu filho a agir da forma como agiu: a primeira é a fome, porque há dias o pobre não come nada. E a segunda é porque ele é surdo, e não ouviu nenhuma das palavras desencorajadoras que lhe foram dirigidas."

->> Muitas são as razões que podem nos motivar a buscar nossos objetivos. Algumas delas são nobres e dignas, outras emergenciais e até mesmo casuais. Em verdade, o mais importante é que tenhamos metas definidas e firme disposição para persistir sempre.
Distinguir as palavras de orientação das palavras de desestímulo nem sempre é tarefa fácil. Usemos, portanto, o bom senso e o discernimento para saber insistir no que realmente vale a pena, sem nos deixar acovardar pelos discursos pessimistas!!!



(Retirado do site: www.velhosabio.com.br)

Lembranças


Conheci um dia uma grande mulher. Digna de se admirar. Uma mente brilhante, pensamento à frente de seu tempo.
Determinação e atitude.
Mulher de poucas crenças (será?). Cética. Como todo intelectual se diz ser.
Afinal, como crer naquilo que não se pode explicar? Como aceitar o que a ciência e a inteligência humana não são capazes de comprovar?
Determinação e atitude.
Uma mulher guiada por instintos.
Aprendi muito com ela. O tempo em que pudemos conviver foi um tempo de aprendizado. Havia todo um universo desconhecido, quase inexistente para mim. Conhecimentos, informações, cultura. Havia muito o que aprender.
Mas ela era dura. Quase inoxidável.
Determinação e atitude.
Tão próxima e tão distante.
Tão certa das suas convicções.
Tão improvável na arte das relações. No contato humano.
Não sei ao certo se ela era quem realmente era. Se era quem eu pensava que era. Se era quem ela achava que era.
Sei que ela foi importante.
Ao menos para mim.


(Elís Cândido/julho de 2010)

Mutação



Quem é você?
Quem é esta pessoa em quem você se transformou? Olho para dentro de você e não te vejo. Não te encontro.
Onde está aquela menina, tão pequena e indefesa? Onde foi tua doçura? O que fez dos teus abraços, que eram meus...
Quem é você?
O que pensa? O que sente? Para quê tanta arrogância? E este ego sem tamanho... De onde veio tudo isto?
Será que estava tudo aqui e eu não via?
Será que você já era assim e eu não sabia?
Sinto que nada do meu mundo te encanta. Meus valores não têm sentido. Meu esforço não te agrada...
Será que eu também fui assim, este ser em mutação? Este alguém que não se entende, este conflito ambulante?
Esta tal adolescência!
Porque você não volta? Não pede colo? Ainda posso te proteger...
Mas, se preferir andar sozinha, escolha bem os caminhos. Lembre-se de quem você é. Daquilo que te ensinei. Não se deixe levar por falsos valores.
Se preferir andar sozinha, pode ir. É o teu caminho. Não posso caminhar por você.
Posso apenas confiar. E aguardar.
Eu te espero.
Espero você crescer. Se livrar deste casulo que te impede de ver quem você realmente é. O que realmente tem valor. Descobrir que a menina tão bonita, de uma alma tão pura, ainda mora em ti. Está apenas perdida. Escondida. Está aí, esperando que você se reencontre com ela.
Eu também espero. Estou aqui.
E vou estar sempre.

(Elís Cândido/julho de 2010)

Frases e Pensamentos...

Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração.
Não me façam ser quem não sou.
Não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente.
Não sei amar pela metade.
Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre!



(Clarice Lispector)

A estrela



Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

(Manuel Bandeira)

Bem, hoje




Bem, hoje que estou só e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto, se o for, serei em vão.

Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.

Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.

Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem.

(Fernando Pessoa)

Derradeira primavera




Põe a mão na minha mão
Só nos resta uma canção
Vamos, volta, o mais é dor
Ouve só uma vez mais
A última vez, a última voz
A voz de um trovador

Fecha os olhos devagar
Vem e chora comigo
O tempo que o amor não nos deu
Toda a infinita espera
O que não foi só teu e meu
Nessa derradeira primavera

(Vinicius de Moraes)

Cansada


Cansada! É assim que eu me sinto hoje. Não é um cansaço físico, é alguma coisa que vem da alma. Estou realmente cansada. Uma apatia enorme tomou conta de mim.
Não quero falar. Não quero sair. Não quero ficar. Apática.
Ligo a Tv e ela não me diz nada. Tudo igual. Aperto as teclas do controle remoto, mas eu é que estou REMOTA. Distante, inacessível.
Acho que hoje não faço parte do mundo. Não compreendo as pessoas ao meu redor. O que é que elas dizem? Que conversa é essa? Quem disse que eu quero ouvir?
Quem são essas pessoas, que falam coisas tão vazias, tão sem sentido. Quantas palavras desnecessárias!
Hoje estou cansada. Queria mesmo o silêncio. O vácuo. Vazio. O nada.

(Elís Cândido/julho de 2010)

Cigano


Sei que não sou sua dona.
Que não te possuo.
Nem tenho esta pretensão.
Ou intenção.

O meu amor não é assim.
Não controlo os teus passos.
Tuas andanças.

Prefiro te deixar livre.
Saber que, se você fica,
é porque assim o quer.
Porque me quer.

Como eu te quero.
E não quero nada mais.
De lugar algum.
Ninguém.

Pelo menos não hoje.
Não agora.
Não ainda.
Hoje eu sou somente sua.

O seu amor me basta.
Me completa.
Me sacia.
Amor sem rédeas.
Cigano.

(Elís Cândido/julho de 2010)

A cadeira vazia


Aquela cadeira vazia,
esquecida no canto da sala,
um dia já teve vida.
Naquela cadeira vazia,
histórias foram contadas,
nas tardes quentes dos verões passados.

No lugar do vazio de hoje,
antes havia alguém.
Um alguém cheio de vida.
Um alguém cheio de luz e de palavras.
Muitas vezes ainda,
um alguém feito de silêncio e dor.

Muitas lágrimas correram daquele rosto cansado.
Muitas noites sem sono,
sentado naquela cadeira antiga.
Aquela cadeira,
hoje vazia.
Sempre amiga.
Sempre à espera.

Sempre.

Falta você.
No seu lugar.
Naquela cadeira
que eu mesma te dei.
Falta você, pai.
Na minha vida.
E naquela cadeira vazia.

(Elís Cândido/julho de 2010)

Eu, eles e um reflexo




Ironia ou não, percebemo-nos mais quando estamos mergulhados em gente. Gente diferente da gente. Gente que não tem os mesmos conceitos, aquele tipo que não oferece nem um debate instigante. Nada. Encontramo-nos. Olha-se para os lados e sente-se um vazio, uma falta de tudo. Nesse momento abre-se espaço para recordar alguém esquecido: nós mesmos.

Isso salva um dia, uma auto-estima, um amor-próprio. E tudo o que pensávamos feio em nós, é visto com outros olhos e admirado. Quanto mais conheço os outros, mais estimo por mim mesma. Sem afetação, com um orgulho que vai crescendo devagar, pouco a pouco.


Uma menina disse-me que não consegue olhar nos olhos de certas pessoas, porque se sente intimidada. E eu, com minha ínfima sabedoria, respondi que com o tempo, vamos criando dignidade o suficiente para se auto-afirmar sem medo.
Estava certa, sim. Já não sou tão ínfima.

(Escrito por Simone Schuck/postado no Blog Tensa Intensa)

Rasuras e outros problemas




Escrever não é concretizar orgulhos, embelezar a folha. Escrever é a realização de algo puramente sujo (e entenda-se aqui realização como colocação no plano real, realmente).


Escrever é o parto sem a felicidade final, ao ver a cria: o resultado é feio e precisa de retoques. Escrever é vomitar, mas não só: escrever é colocar para fora aquilo que já está insuportavelmente ruim por dentro - e tentar melhorá-lo.


Ninguém ama escrever, Escrever dói, cansa, ao mesmo tempo em que alivia. Escrever é uma droga, e vicia. Entretanto, escreve-se muito. É sabido, e não é de hoje, que o ser humano sempre precisou do lixo para criar a arte.

(Escrito por Simone Schuck/ postado no Blog Tensa Intensa

Devaneio da Vida




Se eu morrer, não quero que chorem nem comemorem.
Quero que pensem na vida, na vida de vocês.
Quero que pensem se ela está sendo tão boa, quanto uma vida pode ser.
Se ela está sendo tão divertida, como uma vida pode ser.
Se ela está sendo tão vida, como uma vida deve ser...




(Escrito por Simone Schuck/postado no Blog Tensa Intensa)

Mulher Nua


Procuro um adjetivo para cobrir o teu corpo,
belo como o lençol da madrugada,
e lento como o teu abrir de pálpebras
no instante de acordar.
Vou buscá-lo num armário de sinônimos,
por entre as palavras redondas do amor.
Toco os teus lábios com as suas sílabas,
sentindo a branca umidade da noite
no leve murmúrio em que pousam os meus olhos.
E vou descobrindo
a luz das palavras que tiro de cima de ti,
Para que apenas te cubra
o adjetivo que te veste,
nua,
nos braços que te procuram.

Infância roubada


Onde estão nossos meninos?
Onde está a inocência?
O que fizeram com as nossas crianças?
Transformaram em pequenos robôs,
comandados pelo consumismo?

Quem brinca de cabra-cega?
Pula corda ou amarelinha?
Alguém sabe jogar pião?
Bolas de gude?
Brincar de casinha?

Para onde foi toda a pureza?
Aquele ar angelical?
O sorriso de menina...
O laço de fita nos cabelos
E os sapatos de boneca?

Quem são estas crianças?
Que matam e roubam,
se vendem e se prostituem?
E cheiram crack nas esquinas,
na tentativa de sonhar.

Será que sonham com a infância
Com o abraço da mãe
Com uma casa feliz
Será que sonham?

Onde estão nossas crianças?
Quem roubou nossa infância?
Pra onde foi a alegria?
Quem plantou tanta tristeza
Neste mundo de meu Deus...

(Elís Cândido/julho de 2010)

Paisagem cinzenta


O dia hoje amanheceu cinzento. E eu também.
Parece que tenho alguma conexão, algum tipo de ligação com a natureza, pois sempre que o dia está cinzento, eu também estou.
O céu está sombrio e as nuvens não parecem de algodão. Parecem de ferro, cinzas, pesadas, como enormes muralhas que teimam em impedir a passagem da luz do sol.
Até os passarinhos estão com preguiça de cantar. Quando cantam, parecem murmúrios, pequenos lamentos, canções de dor e de ausências.
Eu não gosto dos dias cinzentos.
Tenho medo destes ventos, que sopram coisas aos meus ouvidos. Ventos são como vozes sussurrantes, que tentar invadir as nossas almas, nossos ouvidos, nossas casas.
Fecho tudo nos dias de vento: minha casa e minha alma.
Minha casa é meu reino e minha fortaleza. Lá me sinto segura.
Aqui, do lado de fora, fico como um passarinho. Pequena. Frágil. E o vento teima em me levar para caminhos que eu não quero ir.
Seguir em frente é difícil e me sinto cansada.
Eu não gosto dos dias cinzentos.
Queria voltar a ver o sol. Fechar meus olhos e sentir o seu abraço quente que me protege e aconchega.
Tomara logo acabar este dia. Quero voltar para o meu ninho. Quero dormir e acordar ensolarada!
Eu não gosto dos dias cinzentos...

Canção da estrela murmurante




Nós nos amaremos docemente,
Nesta luz, neste encanto, neste medo:
Nós nos amaremos livremente
No dia marcado pelos deuses.

Nós nos amaremos com verdade
Porque estas almas já se conheciam:
nós nos amaremos para sempre
Além da concreta realidade.

Nós nos amaremos lindamente,
nós nos amaremos como poucos.
No teu tempo.


(Lya Luft)

A chuva de ontem


Ontem à noite choveu. Fazia tempo que não chovia... O ar estava seco e o vento sufocava.
Mas, ontem à noite, finalmente, choveu. Foi uma chuva mansa, que caiu em paz e sem fazer estragos.
As palmeiras da minha rua avisaram que a chuva viria. Elas balançaram nervosas, com suas folhas estalando no vento.
Da janela do quarto pude ver as nuvens escorregando agitadas pelo céu e os clarões amarelados dos relâmpagos.
Não tive medo. Não tenho medo de chuva. Tenho medo do vento! Ele sim me assusta.
Choveu a noite inteira. As folhas da minha velha goiabeira, já meio cansadas de tanta estiagem, receberam felizes aquelas gotas de chuva.
Pela minha janela eu pude sentir o cheiro bom da terra molhada e da natureza agradecida.
Meu filho, medroso, dormia ao meu lado, agarrado em minha mão.
E a chuva caía lá fora...
Não sei por quanto tempo fiquei ali, apenas olhando o sono daquele pequeno homenzinho e ouvindo as gotas de chuva cairem... Adormeci em paz!
Acordei num dia de céu limpo, de natureza de alma lavada e de maritacas fofoqueiras gritando pelo ar.
Nas minhas orações de toda manhã, pude pensar como Deus é bom, a vida é bela e infeliz é aquele que passou indiferente por esta noite de chuva!

Chegou ao Final?!


Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu....
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco.
O que passou não voltará: NÃO podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...

Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal".
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.

Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torne-se uma pessoa melhor e assegure-se de que sabes bem quem é você mesmo, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem você é...
E lembre-se:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.

(Fernando Pessoa)

O Filho Preferido




Certa vez perguntaram
a uma mãe qual era o
seu filho preferido,
aquele que ela mais amava.

E ela deixando entrever um
sorriso respondeu:
"Nada é mais volúvel que
um coração de mãe."

E como mãe lhe respondo:

O filho dileto o que mais
amo é " aquele a quem
me dedico de corpo e
alma".

É o meu filho doente,
até que SARE.

O que partiu, até que VOLTE.

O que está cansado, até que
DESCANSE.

O que está com fome, até
que se ALIMENTE.

O que está com sede, até
que BEBA.

O que está estudando, até
que APRENDA.

O que está nu, até que
se VISTA.

O que não trabalha, até
que se EMPREGUE.

O que namora, até que
se CASE.

O que é pai, até que
os CRIE.

O que prometeu, até
que se CUMPRA.

O que deve, até que
PAGUE.

O que chora, até que
se CALE.

E já com o semblante
bem distante daquele
sorriso, completou:

O que já me deixou, até
que eu REENCONTRE.

Amo à todos por igual
Intensamente.
O Preferido é aquele que,
no momento, está precisando
de maior carinho e atenção

Meus filhos...
Meu maior orgulho.


(Retirado do blog:Pelo Caminhos da Vida/desconheço autoria)

Eu acho...


Eu acho e estou sempre achando...
Não tenho culpa por ser assim
Acho que isto é certo
Que aquilo é errado
Que ela é mentirosa
Que ele é está enganado
Não tenho culpa de achar.
E de viver deste "achismo".
Meu problema é FALAR:
Minha língua, meu abismo!

Se, pelo menos eu achasse
E conseguisse me calar
Seria tudo bem mais fácil
Daria até pra disfarçar!
Mas, o problema é que eu falo
O que me vier à cabeça.
Se eu penso, sai pela boca
E não há nada que impeça.

Este achismo vem de longe
E já faz parte do meu ser
Quem quiser viver comigo
Terá que compreender
Acho até que isso é normal!
Que não faz mal a ninguém
Vou achando sem parar...
Afinal, o que é que tem?!

Caminhada


A vida nos trouxe até aqui
Sem sabermos porque
Sem sabermos para que
Mas ela nos trouxe até aqui

Como presas fáceis
Envolvidas em uma rede
Cheia de garras e tramas
Fomos puxados
Arrastados
E aportamos aqui

Unidos pela dor e sofrimento
De um de nós
A vida nos trouxe até aqui

No começo não conseguíamos perceber
Que nossa passagem por aqui não seria em vão
Faria parte de uma história
De um aprendizado
Peça de um quebra-cabeças
Que só agora completamos

A vida nos trouxe até aqui

Para que agora
Passado o choro
Secas as lágrimas
Pudéssemos perceber que a nossa dor
Não era só nossa
Mas de muitas outras pessoas
Muitas outras famílias
Que também chegaram até aqui

Foram Marcelos
Paulos
Maurícios
Marcos
HENRIQUES
E tantos outros que eu nem conheci...
Mas que fizeram parte da nossa vida
Se misturaram à nossa dor

Sofro por mim
Por eles
Por todos nós
Por não sabermos se vamos ter a chance de vencer
Esta inimiga violenta
E furiosa
E tão desconhecida
Chamada AIDS

A vida nos trouxe até aqui
Para exercitarmos o amor
A humildade
Para fazermos amigos
Somarmos forças
Cultivarmos esperanças

Hoje,
Seguimos nossos caminhos
Juntos
Unidos pela lembrança e pela dor
Mas,quaisquer que sejam as trilhas
Por onde iremos passar
Jamais esqueceremos
O que vivemos aqui
O que levamos daqui
E o que deixamos aqui

Seguirão sempre conosco
Sorriso,
Palavras,
Gestos,
De cada um de vocês
Que agora fazem parte das nossas vidas
Da nossa história
Que foram tão importantes
E pacientes
Todos os dias
Destes tristes dias
Em que estivemos aqui

Meu irmão amou
E ama
A todos vocês
Assim como nós também amamos

E somos gratos
Por tudo
Sempre.

(Elís Cândido/ palavras dedicadas à equipe do Hospital Pedro II após a perda de meu irmão Carlos Henrique, morto em outubro de 2003,aos 19 anos, vítima do HIV)

Desabafo


Eu não tenho amigos
E ninguém gosta de mim
De tudo o que me lembro
Lembro de ser sempre assim

Não recordo minha infância
Nem se um dia fui feliz
Minha vida é o meu trabalho
Trabalho que nunca quis

Sigo sempre sozinha
Não há ninguém ao meu lado
E, se alguém vem comigo
Garanto, foi obrigado

Destes que me acompanham
Alguns trago no colo
Outros vem caminhando
Vamos andando juntos
Mas o caminho é forçado

Eu até compreendo
E não sinto rancor
Na verdade tenho por eles
Um certo tipo de amor

Vivemos como num sonho
Onde sou só uma imagem
Aquela que dita o caminho
Que orienta a passagem

Vagueio todo o tempo
Num indo e vindo sem fim
Mas, no final, não reclamo
É o que esperam de mim

Talvez você me conheça
De alguma hora ou lugar
Se te disser o meu nome
Você irá se lembrar

Não sou alguém que se esqueça
Não que eu queira ser assim
Mas basta apenas um encontro
Pra não se esquecerem de mim

Não posso dizer que sou má
Sou, talvez, um pouco fria
Mas, também, vivendo assim
O que mais de mim seria?

Sigo em frente nesta vida
E não pretendo me queixar
Mas queria companhia
Ter alguém com quem falar

Queria muito um amigo
Alguém que gostasse de mim
Que entendesse que no fundo
Não sou assim tão ruim



(Elís Cândido/ julho de 2010)