Ódio


Ódio por Ele? Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,
Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!
Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!
Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não... não vale a pena...

Florbela Espanca

Vazio

Estranhos são estes dias. Dias nublados. Olho para dentro de mim e não vejo nada. Sou apenas uma página em branco. Não há cor. Nem movimento. Nada. Apenas o vazio...
Quando vou voltar a habitar em mim?

(Elís Cândido/20 de agosto de 2010)

Primavera Escrita


Tudo o que aqui escrevo
começa como Palavra
que me surge em pensamento
e toma conta de tudo
monopoliza o momento

Ela então se multiplica
se divide,subtrai
vira outras
vira frases
ganha alma e sentido

Como planta vai brotando
cria ramos e raiz
vira coisa
vira verso
florindo de dentro de mim.

(Elís Cândido/agosto de 2010)

Amo-te


O amor que eu tenho em você
Acho que ninguém mais tem
O amor que faço com você
Não faço com mais ninguém

Amo seu peito
Seu pelo
Seu cheiro
Amo seu corpo quente
Roçando em mim

Amo o toque dos seus dedos
e até os calos das suas maõs

Seus cabelos crespos
Grisalhos
Este sorriso morno
E o olhar manso

Conheço seus pensamentos
E o seu jeito de andar

Você é meu porto seguro
Minha loucura
E tentação
Minha metade
Meu oposto

Não há lugar algum
Onde mais eu queira estar
Que aqui amando você
E deixando você me amar.

(Elís Cândido/12 de agosto de 2010)

A vida no morro

Tarsila do Amaral
MORRO DA FAVELA
Morar no morro é bom. O povo daqui é gente humilde, trabalhadora, gente boa. É bom poder ouvir o vento brigando com as folhas das palmeiras, os gritos das maritacas em revoada, o apito triste do trem e a farra da molecada nos dias de pipas.
Nas tardes quentes de verão, as comadres e compadres sentam-se nos portões até o anoitecer, falando da vida alheia, falando da própria vida, falando das novelas, dos filhos, dos maridos, do futebol... Assuntos não faltam numa rodinha lá do morro. Não há nada que escape das matraqueiras de plantão. Quer saber das novidades? Apareça numa rodinha lá do morro...
No outono tem sempre frutas para alegrar a meninada. Tem goiaba, tem abacate, acerola, tem banana, jabuticaba, tem manga e cana também. Umas frutas se ganha, outras se rouba no pé. Coisas boas do morro!
A boa gente lá do morro não se fantasia. Cada um é aquilo que é, sem tirar nem por. Não precisamos fingir, todos sabem quem somos, todos se conhecem, todos compartilham das mesmas realidades. É claro que todo morro tem sempre uma "Conceição", como aquela da música do Calby Peixoto. Uma pessoa que vive travestida de madame, que não cumprimenta ninguém, que finge ser o que não é, mas não engana ninguém. Não aqui no morro... Mas este tipo é caso raro e serve para assunto nas rodinhas de portão.
Festa no morro é churrasco, com cerveja e (pasmem) vinho tinto bem gelado! Animação é o que não falta! E nem foguetes. No morro a gente solta fogos no Natal, na vitótia do time do coração, no Carnaval, no Ano Novo, no dia do Santo Padroeiro... Tudo é motivo para foguetório!
Cachorro aqui é comum. Toda casa tem um. Algumas casa tem dois ou três. Na minha casa temos cinco. Acho que a gente tem amor de sobra...
As travessas e bandejas passeiam de casa em casa. Tudo que a gente faz, divide. Vou levar um pedacinho para a Dona Cecília... e a vasilha nunca volta para casa vazia. Coisas do morro.
E estas coisas fazem do morro um lugar bom de se viver. Um lugar onde o tempo passa devagar, onde a vida é morna e colorida como as tardes de verão.
Morar no morro é bom!

(Elís Cândido/ 11 de agosto de 2010)

Um pouco de cor e de beleza...

Tarsila do Amaral
O PESCADOR

Para a nova seguidora

Que bom ter você aqui também! Espero que goste do que vai encontrar por aqui. São pensamentos, sentimentos, imagens e palavras que fazem parte da minha vida. Algumas palavras são minhas, outras eu gosto de ler e resolvi dividir este prazer, postando no blog... É bom poder partilhar tudo isso com você. Seja bem vinda!

Uma questão de escolha


Nossa vida é feita de escolhas. Temos que escolher o tempo todo, e cada escolha nos leva a um caminho diferente. Nunca vamos saber como seria nossa vida se tivéssemos escolhido caminhar por outros rumos, que não estes que trilhamos agora.
Tudo é sempre uma questão de escolha.
Algumas vezes nós fazemos nossas escolhas de maneira inconsciente. Nos deixamos seguir, levar, fingimos não estar escolhendo, tentamos não nos responsabilizar. Mas a verdade é que estamos sempre escolhendo.
Escolhemos o que comer, o que vestir, o que dizer, o que fazer. Escolhemos isto ou aquilo.
Escolhemos as cegas. Não há como saber onde cada escolha vai dar. Se vai dar certo ou se vai dar errado. Algumas vezes, uma vozinha dentro da gente avisa: Não faça isto! Não vá por aí! Uns chamam isto de sexto sentido, outros de intuição, outros de Divino Espírito Santo... A verdade é que, na maioria das vezes em que não ouvimos o que diz esta santa vozinha, nós nos damos mal. Aí vem aquela velha frase: Eu devia ter ouvido a minha intuição...
Tarde demais. Escolha feita, caminho sem volta!
Existem escolhas insanas, quase suicidas. Aquelas que a gente sabe que não vão dar certo. Casar com um fanfarrão, fazer coisas ilegais, dirigir embriagado... O final todos já sabem... Todos, menos o tolo que está fazendo as escolhas.
Temos que tentar fazer o que é certo. Escolher o que é melhor. Temos que escolher.
Eu escolho ser feliz. Escolho ter amigos. Escolho ser fiel aos meus pensamentos. Escolho fazer o bem. Escolho ser quem eu sou. Escolho fazer sempre o melhor, da melhor maneira... Acho que, se nestas pequenas coisas eu fizer as escolhas certas, a vida vai me guiar para caminhos onde jamais imaginei que pudesse chegar.
Faça suas escolhas! Não deixe que alguém faça isto por você. Pense, decida, lute, acredite nos seus ideais, naquilo que é importante para você! Seja fiel aos seus princípios, as suas crenças, aos seus amigos e amores... Escolha o que te faz feliz. Escolha VOCÊ!

(Elís Cândido/agosto de 2010)

O Dicionário do Caio


Meu filho Caio é um cara engraçado. Vive num mundo só dele. Vive em paz com tudo e com todos. É um moleque que não sobe em árvores, não solta pipas, não rouba frutas do quintal do vizinho... É um cidadão de seu próprio mundo.
Garoto esperto, que sabe de futebol,escreve histórias em quadrinhos, entende de política (do seu jeito) e tem sempre uma "abobrinha" na ponta da língua. Aliás, falar é com ele mesmo... Fala da hora que acorda até a hora de dormir. Tem vezes que fala dormindo! Não tem tecla para desligar nem botão de volume. Ele as vezes me enlouquece!
Das asneiras que ele fala, me lembro de algumas que são dignas de uma postagem. Sendo assim, vão aí umas expressões que poderíam constar de um novo dicionário: o Dicionário do Caio.
PANCAINHA: campainha
FURACO: buraco, furo
PICOQUINHA: pipoquinha
DISCUTIÇÃO: briga, discussão, falatório
ANTECESTRAIS: ancestrais, parentes
CICLO VIRTUOSO: ciclo vicioso, uma coisa que não tem fim
AQUELA MULHER ETERNA: Margaret Thatcher, primeira ministra britânica
O GOVERNADOR QUE ERA O RAMBO: Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia
GULHA: agulha, ele acha que o A não faz parte da palavra, é artigo
AQUELE NEGÓCIO QUE PARECE UM BAMBU, MAS É DE CHUPAR: cana
AQUELA FRUTA QUADRADA, AMARELA QUE A MINHA MÂE FAZ E EU NÃO GOSTO: angu

Deus me dê saúde e paciência para aturar este moleque!

(Elís Cândido/ 06 de agosto de 2010)

As manhãs e as maritacas


Gosto muito das manhãs.
De todas as horas do dia, o amanhecer é a mais bela.
O sol, as nuvens, as janelas se abrindo...
Os ruídos de uma cidade que acorda...
E as maritacas!

Nem bem o sol aparece lá no céu,
já começa a gritaria.
Meus Deus e como gritam!
Elas parecem loucas, desvairadas.
As vuvuzelas lá da África perderiam feio para elas!
As maritacas!

Nestes dias que anunciam a primavera
o alvoroço é geral!
Voam e gritam.
Gritam e voam.
As benditas maritacas!

O pequeno casal que há anos ninha em nosso telhado retornou hoje.
Da janela do meu quarto pude vê-los.
Fiquei feliz em revê-los!
Outra ninhada.
Outro filhote.
Outra maritaca.

Gosto de ouvir os seus gritos loucos.
Gosto de vê-las voar.
E revoar pelo céu.
Gosto deste tumulto verde.

Que venham as maritacas!

(Elís Cândido/05 de agosto de 2010)

Sobre pedras e pesadelos

Ouvi no jornal que lá para os lados das Minas Gerais, num lugar onde do céu só caíam grossas gotas de chuva, agora estão caindo pedras. Meteoritos.
Dizem que são pedaços de Marte.
Minha mãe não acredita. Ela diz que é tudo balela. Que só acredita vendo. Já eu, não sei se quero ver... Melhor saber pela TV. É mais seguro.
Me lembrei do desenho do galinho "Tchicken Little": O céu está caindo! O céu está caindo! Meu filho teve um pesadelo e correu para minha cama. Com certeza a história da pedras que caem do céu ficou gravada dentro dele.
Seu coração de criança teve medo e eu é que pago o pato! Outra noite sem dormir...
De qualquer modo, se o mundo estiver mesmo acabando e o céu estiver caindo, melhor mesmo é ficar assim, na minha cama, com meu moleque de um lado, minha filha dormindo e minha mãe lá no quarto dela, rezando pra que seja mentira...

(Elís Cândido/ 04 de agosto de 2010)

Insana


queria voltar a ser o que eu era antes
antes de ser qualquer coisa
quando era ainda um nada
quando eu era apenas EU

queria não saber tudo o que sei
não ter aprendido o que aprendi
não ter conhecido o mundo
queria voltar a ser EU

na verdade
o que aprendi foi um erro
o que conheci não me agrada
o que sei não tem valor

de que valem tantos anos de escola?
uma vida inteira de "aprendizados"?
se estes valores não são os meus,
se o que sei não me interessa

queria voltar ao nada
resgatar minha inocência
voltar ao útero,
a mater
e renascer!

queria
e não posso
não tem jeito
vou ter que me aceitar

posso me reinventar
fingir que sou o que não sou
que penso o que não penso
que gosto do que não gosto

mas aí
não vou ser EU
vou me perder de mim
do mesmo jeito...

melhor deixar como está

(Elís Cândido/ 05 de agosto de 2010)

FLIP Festa Literária Internacional de Paraty


Começa hoje a Festa Literária Internacional de Paraty. É uma ótima oportunidade para respirar ar puro, natureza e cultura!
A abertura acontecerá as 19 horas com a presença do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e as 21 horas haverá show com Edu Lobo.
Pena eu estar tão longe...

Novo Tempo


passado o vendaval,
será outra paisagem.

varrida a sequidão das folhas mortas,
por tanto tempo fazendo as vezes de chão,
escondendo a boa terra, fértil e rica.

quebrados retirados os galhos mortos,
feios porque mortos,
tudo brotará.

será a grande estação.
a melhor delas,
brotação de terra madura,
generosa e fecunda
em seiva, cores, cheiros.

seu caminho.
meu caminho.
seu chão e o meu.
então, sem nenhuma dor,
terá passado o vendaval.

(Lília Sertã Junqueira, do livro Instantâneos)

Os sapatos de Van Gogh

Van Gogh
Em que estaria pensando Van Gogh quando pintou esta tela?
Quantas andanças caberiam neste simples par de sapatos... quanta história...
De tanto admirar a imagem, chego a encontrar características humanas neste objeto. Objeto. Coisa. Matéria sem vida. Mas chego a ver nestes sapatos uma humildade, um cansaço, uma relação de compreensão, de cumplicidade...
Que significados teriam estes sapatos para ele?
Pelos sapatos pode-se dizer muito do dono, se é conservador ou arrojado, se cuidadoso ou desleixado, se pensa em conforto ou aparência...
Que dizer então do dono destes sapatos, tão surrados, tão assimetricamente largados.
De quem seriam os sapatos? Talvez não dele, mas de alguém que, este sim tivesse suma importância. Talvez ao retratar o sapato ele buscasse apenas publicizar algo desta pessoa... Talvez, talvez.
Talvez estivesse cansado de rostos. De sorrisos. De musas. De pessoas.
Quem sabe?

Recomeça...



Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

(Miguel Torga)