Volúpia


Abraça-me!
Quero sentir seu corpo nu.
Envolve-me!
Já não sei quem sou sem o seu calor.
Proteja-me!
És meu escudo e minha espada.
Faça de mim a sua escrava.
Serei de todas a mais servil.
Darei meu corpo e minha alma.
Sem receios e sem pudores.
Ama-me!!
Quero ser sua agora e sempre.
Basta que digas e eu irei.
Basta que chames e atenderei.
Sacia-me!!
Pois tenho sede de amor.
Mata-me!!
És meu veneno,
e em sua boca morrerei feliz.

(Elís Cândido/maio de 2012)

Solidão


Sentada no canto da sala
Espero.
Vejo a tarde se despir
e se vestir de noite.
E vejo a noite
ganhar as cores do dia.
Sinto o sol pela janela
e adivinho seu calor.
Sinto que a vida passa,
que o vento sopra nas folhas,
que o cheiro bom corre no ar.
Imagino o sorriso das crianças.
E o balançar das cadeiras das senhoras,
num indo e vindo já sem pressa.
A vida acontece lá fora...
ela pode ser boa, eu sei.
Mas sou refém de mim mesma.
Prisioneira dos meus próprios medos.
Enraizo e fico aqui.
Musgo esquecido,
num canto da sala.

(Elís Cândido/maio de 2012)

Saudades da Velha Bossa...


Hoje acordei ouvindo "Eu quero Tchu, eu quero Tcha"... Socorro!!! Eu quero silêncio! Quero poder acordar em paz!!! Acho que as pessoas perderam a noção dos direitos alheios. Moro numa rua calma, bastante retirada do centro da cidade, mas ainda assim dormir cedo e acordar em paz são coisas que estão ficando cada dia mais difíceis. Os carros dos adolescentes mais se parecem com verdadeiras máquinas de reproduzir som. Que altura! As portas e as janelas de vidro das casas chegam a tremer. Nem o bom trem de carga que passa aqui pertinho consegue me incomodar tanto! Não bastasse o volume do som que eles ouvem, tenho ainda que aturar a péssima qualidade das músicas escolhidas. Não me levem a mal as pessoas que gostam deste tipo de música, mas, sinceramente, estes Tcherererê, Tchu Tcha e Ai se Eu Te Pego podem até grudar na cabeça da gente, mas não por uma questão de qualidade. 
Sinto saudades das boas músicas que eu ouvia antigamente, num tempo não tão distante assim. As músicas falavam de sentimentos, de amor, do sofrer por amor. Falavam da vida, contavam verdadeiras histórias de vida. Havia músicas tão bonitas que só de cantá-las, nosso peito parecia querer estourar, o coração sair do peito... Quem nunca chorou feito bobo ouvindo uma canção e se lembrando de um grande amor, de uma pessoa querida... 
Este capitalismo enlouquecido que domina a tudo acabou por fazer do mundo da música e da poesia mais uma fonte de ganhos, de riquezas... Que saudades das rodas num barzinho, com um violão, umas cervejas e uns amigos... Saudades das músicas verdadeiramente sertanejas, cantando a vida simples do homem no campo, seu amor pela terra. Será que esta saudade é sinal de que eu fiquei velha? De que o meu tempo já passou? De que eu preciso me acostumar com esta nova tendência? Prefiro acreditar que não. Que isto é apenas um modismo equivocado, daqueles que não duram um verão inteiro. Espero, que brevemente surja nas rádios uma vozinha curta, com uma melodia manhosa, um violão bem marcado, e que tome conta das atenções de todos. Espero que a boa música sobreviva, porque tem muita gente boa cantando por aí. Basta a gente olhar para o lado certo e vai ver...

(Elís Cândido/maio de 2012)

Pelo Buraco da Fechadura


Pelo buraco da fechadura
me deleito e me encanto
quando a vejo em seu canto
escovando a cabeleira.

Sentada numa banqueta
em frente ao espelho antigo
seus cachos caem nos ombros
e no alvo colo escondido.

Observo seu capricho
movendo as mãos
com languidez,
quase sufoco e enlouqueço,
perco toda a lucidez.

Ela é minha diva
e perdição,
é a razão do meu viver.
por ela faço qualquer loucura,
desde matar até morrer.

Sonho o dia do encontro,
em que poderei tocar seu rosto,
rompendo esta maldição,
este castigo a mim imposto.

Sou o lacaio e ela a dama.
Sou seu servo e ela a ama.
Eu sou ébano e ela alvura.
Só me resta admirá-la,
pelo buraco da fechadura.

(Elís Cândido/maio de 2012)


Passarinhos


Passarinhos,
passarada,
batem asas em revoada,
riscando o céu de brancas nuvens
e um intenso azul anil .
Passarinhos,
passarada,
com algazarra,
barulhada,
no alto da goiabeira,
num fervor tão pueril.
Da janela,
encantada,
observo a passarada,
e desejo alçar vôos,
pelos céus deste Brasil.

(Elís Cândido/maio de 2012)

Abraça-me, mãe



Abraça-me, mãe
que acabei de chegar
do outro lado do túnel escuro
e não consigo ainda abrir os olhos
para desvendar a luz que me estendes.
Perdi as asas que tinha dentro de ti
quando de súbito se rasgou
aquele cordão que nos unia,
e tenho medo agora.


Ensina-me, mãe
a descobrir os caminhos por percorrer,
traça no chão de poeira
as fogueiras que sinalizam o horizonte,
tece o fio que irá guiar
a memória frágil dos meus passos
e o mistério das travessias por desvendar.
Sou ainda uma sombra clandestina
à procura de um novo lar.


Mostra-me, mãe
as cores novas deste sonho
que iremos sonhar acordados,
canta-me as doces melodias
que nunca ninguém cantou,
conta-me os segredos que não conheço
e as histórias que não vivi ainda,
afaga-me suavemente
com o tato perfumado dos teus dedos.
Tudo para mim
é um universo em expansão.


Embala, mãe
no teu colo de linho brando
este meu coração de papel
que bate impaciente
açoitado pelos ventos da madrugada,
sacia com o açúcar dos teus seios
esta sede que trago comigo,
este desejo de infinito,
esta sedução fugaz que me anestesia.
Dá-me uma razão para desafiar o futuro.


Protege-me, mãe
das grandes rodas do destino
que começaram já a girar
no roxo débil da minha carne,
acende com a luz do teu sorriso
os espelhos de prata do meu futuro.
Sou o barro que moldaste
na paciência demorada do teu ventre
para que a alquimia do sonho
se tornasse realidade.


Chego-me a ti, mãe
e lentamente me enrosco
no refugio quente dos teus braços
para que laves este corpo
ainda despido de tudo
com a água benta que transborda
do teu choro de felicidade.
Faltam-me as palavras ainda
para dizer quanto te amo.
Abraça-me, mãe.


(Retirado do blog Seguindo o Escoar da Tempo)

A Tatuagem


Minha filha de 16 anos queria muito fazer uma tatuagem. Todos os dias ela repetia a mesma história. Todos os dias nós olhávamos nos sites as imagens das "possíveis" tatuagens dela. Como toda mãe, ou quase toda, sei lá, me assustava um pouco a idéia de ver a minha filha sentada em uma cadeira com um cara meio estranho marcando (com dor e sangue) a sua pele tão alva com uma daquelas imagens. Parecia meio irracional. Coisa como marcar o gado... Enfim. Conversei muito com ela sobre os impedimentos que poderiam surgir para sua vida profissional, já que em algumas carreiras as tatuagens não são aceitas. Sobre o fato delas durarem "para sempre". Sobre o fato de saírem de moda. Sobre o fato de se envelhecer carregando uma tatuagem que poderá já não ter mais "nada haver" com o estilo de vida dela no momento. Conversei. Conversei. Conversei. Não convenci a ninguém.
Não consegui fazê-la desistir da tatuagem. Não consegui me convencer de que ela é proibida de fazê-la, já que é um desejo dela. Afinal de contas, ela não é minha propriedade. É minha filha. Seu corpo pertence a ela e não a mim. As decisões sobre o que fazer dele ou com ele cabem a ela e não a mim. Claro que, desempenhando meu papel de mãe, cabe a mim orientá-la, alertá-la, protegê-la. Mas no caso da tatuagem, resolvi deixar que ela faça.
Numa noite destas ela postou no Facebook a notícia de que iria fazer a tatuagem, que eu havia deixado. Caramba! Foram tantos comentários, tantos adolescentes dizendo que sonham com isto mas que seus pais os proibem. Tantos outros que já fizeram tatuagens escondido dos pais dizendo que é bem mais legal desta forma... Não sei como vai ser a reação das outras pessoas da família. Talvez não me compreendam. Normalmente não compreendem mesmo, mas sinto que fiz a escolha certa. Sinto que esta tatuagem irá gravar mais que uma imagem em minha filha, vai servir para deixar marcada a nossa aliança, a nossa relação tão franca e próxima, o respeito que temos uma pela outra. Isto é bom. Tão bom quanto ter 16 anos. Quanto desejar ser dono do mundo. Quanto acreditar que se pode ser dono do mundo. Tão bom quanto ser livre para sonhar e alcançar, qualquer coisa, seja ela gigantesca e complicada ou simples e pequena, como uma tatuagem.

(Elís Cândido/maio de 2012)