Andanças

Nunca andei tanto assim,
como tenho andado,
à procura de mim...
Tanto chão, tanta estrada,
tanto passo, caminhada,
carregando este fardo
de não ter o que levar.
Levo o nada,
em minh'alma já cansada,
deste longo caminhar.

(Elís Cândido/novembro de 2011)

A Despedida


Eu também já estou indo. É chegado o tempo da partida. Não há nada mais que me obrigue a ficar. As crianças estão crescidas, a casa organizada, as plantas com boas raízes... Tudo parece caminhar muito bem sem mim. Na verdade, às vezes, acho mesmo que até atrapalho! Os meus passos lentos pela casa, a memória um pouco curta, as mesmas frases repetidas tantas vezes...
Neste dia-a-dia tão igual, tento achar alguma coisa para a qual eu seja importante, mas sei que é difícil. Até mesmo a cozinha, lugar onde eu era  soberana, já não me pertence mais. Dei lugar aos eletrodomésticos sofisticados, que fazem tudo o que eu fazia no apertar de um botão! As comidas congeladas, os temperos prontos, os sucos na caixinha... Não sou útil para espremer uma laranja!
Os meninos até que tentam conversar, mas não sou tão moderninha... Não entendo seus computadores, seus videogames, seus aparelhinhos de ouvir músicas, tudo tão pequeno que tenho medo até de tocar!
Sinto falta do meu tempo. Das minhas panelas, dos meus afazeres, meus bichos no quintal, minhas plantas no jardim, a vizinhança papeando no portão no fim da tarde... Sinto falta de um tempo que não vai mais voltar. De uma realidade que era apenas minha e que se perdeu entre os ponteiros dos relógios. Sinto falta do meu amor, amor e companhia de uma vida inteira!
Então, por mais que eu esteja bem com vocês, sinto que meu lugar não é aqui. Sinto que não há lugar para mim. Em lugar algum. De parte alguma. Eu já não pertenço a este tempo. Neste caso, devo ir.
Portanto, não há motivos para tristezas. Não há porque chorar! Vou me encontrar comigo mesma. Vou estar no lugar certo. Vou estar bem.
Só não vou mais estar aqui.

Abraços a todos os que ainda ficam. 

(Elís Cândido/novembro de 2011)

Devaneio



Passarinho na janela
me lembrou que a vida é bela
e não preciso mais chorar!
Passarinho tão bonito,
alçou voo ao infinito,
me deixando a suspirar.
Volte logo, passarinho,
em meu peito faz teu ninho,
me ensina a acreditar!
Faz-me crer que a vida é bela,
e vai além desta janela,
que o céu é o limite,
para quem tenta voar!


(Elís Cândido/novembro de 2011)

The End


Queria poder adormecer
numa cripta de vidro,
repleta de flores,
como nos contos de fadas.
Ser velada por pessoas de alma pura,
que chorem lágrimas da mais doce saudade.
Queria poder adormecer deste mundo cruel,
que me fere e me envergonha todos os dias.
Desta floresta repleta de caçadores e bruxas,
que querem levar embora toda inocência e pureza.
Já não há lugar para a infância.
Já não estamos seguros.
E não há esconderijos secretos
que os espelhos do mal não alcancem.
Eles sempre nos encontrarão...
E arrancarão os nossos corações.
Seremos pessoas frias, vazias.
Acabou-se o que era doce!
A história chegou ao fim.
E já podemos fechar o livro.

Eu queria adormecer...

(Elís Cândido/novembro de 2011)

Ponderações - Natal


E já estamos no final do ano. Já é quase Natal! As propagandas na TV invadem as nossas casas com anúncios e mais anúncios que tentam nos motivar a comprar. E eu me deixo ser levada por elas. Todos os anos é assim. É um ciclo vicioso de tentações, vontades e culpas. Fico sempre com vontade de comprar coisas, de dar presentes, de melhorar a casa, de ficar mais bonita, uma roupa nova aqui, um sapato ali... Uma tentativa meio louca de reproduzir em casa as imagens bonitas, prósperas e felizes que a TV me vende diariamente. Mas a minha vida não repete exatamente estes padrões. Eu não tenho as mesmas condições financeiras. Então me angustio. Me sinto incapaz. Me questiono sobre o que tenho feito da minha vida. Por que não mudou nada desde o ano passado? Por que a história se repete? Com as dúvidas, vêm as respostas, a minha parcela de culpa é lançada na minha cara: o meu comodismo, a minha falta de preparo, as escolhas erradas que fiz... eles são fantasmas que irão cear comigo. E o tempo vai passando, os preparativos mais intensos, as propagandas continuam, as campanhas... Começo então e me questionar se o Natal é apenas isto. Será isto o Natal? Percebo que estou me perdendo. Que não são estes os conceitos corretos. Que o Natal se faz com partilha, com fé, com alegria no coração, com a certeza de que estamos todos juntos e por isto estamos todos bem. Vejo que o importante no Natal é a minha família. São os meus filhos ao meu lado. O som dos sorrisos e da alegria nas casas vizinhas. Os telefonemas de congratulações, os e-mails carregados de emoção... E a magia acontece mais uma vez! E eu entendo que o Natal é exatamente isto: MAGIA! É amar! É acreditar! E, como todos os anos acontece, eu tenho um Natal feliz!!! 
Que esta magia se repita! Que todos possamos ter um Natal próspero e feliz, cheio de alegrias, muita paz e ao lado daqueles a quem amamos!!!

(Elís Cândido/novembro de 2011)

Gotas


Gotas.
Na torneira,
pin
    gan
          do
De chuva,
mo
    lhan
         do
De lágrimas
ex
    tra
        va
           san
                do
toda a dor que trago em mim...

(Elís Cândido/novembro de 2011)

Primavera Ausente

Chove lá fora
e aqui dentro faz frio.
As horas se arrastam lentamente,
me arrastando com elas
para um mundo de loucura
onde nada faz sentido.
Acordo e durmo,
deito e levanto
e nada parece mudar,
nem o tempo,
nem a chuva,
nem eu mesma.
Dias cinzentos.
Ares sufocantes.
Palavras engasgadas.
Pesados silêncios.
Quando voltará a primavera?

(Elís Cândido/novembro de 2011)

Uma Visão do Fim do Mundo


Cairão os céus sobre as nossas cabeças, numa tarde que se fará noite. Em tempos que parecerão eternos. E tudo então se acabará. Haverá dos céus um estrondo, como nunca antes se ouviu. E feixes de luz cortarão as nossas vistas como carruagens de fogo. Muitos tentarão salvar-se. Poucos o conseguirão. Para os que se salvarem (Será que podemos chamar salvação?), haverá ainda muita tristeza. E dificuldades sem fim. Os pastos não mais verdejarão. As águas estarão infectas. Rios e mares chorarão as dores de uma Terra adoecida e mutilada pelas maõs dos homens. Serão dias de uma escuridão nunca vista. O breu tomará o mundo, numa nuvem pesada e sufocante. Aqueles que respirarem de seus odores cairão por terra. Os que conseguirem ficar a salvo, não deverão sair de suas casa. Lá, poderão iluminar-se com a luz santa vinda das velas de cera. Serão três dias e três noites. Serão estes os tempos da colheita. Da purificação. Sobrarão apenas os escolhidos. Aqueles que foram eleitos. O arco-íris surgirá então na Terra. E assim também o Sol. E a Terra renascerá!

Estátua de Areia

Fui moldada pelas mãos delicadas do artista
que por amor me fez bela
e pela dor me fez triste.
Esculpida no desejo insano de um amante
à procura daquele amor
que não mais retornará.
Lágrimas de sal alicercaram minhas formas
para que eu pudesse suportar os ventos mais fortes.
Uma obra-prima! 

Olhares curiosos amontoam-se ao meu redor.
Mas não me vêem.
Não me enxergam.
Vêem apenas uma estátua de areia.
Cinza, fria e úmida como as noites de inverno.
Tenho tanto calor em mim!
Não percebem, estes tolos.
Apenas olham e se vão.
Eu fico.
Só.

Meu artista não retorna?
Outro dia e ele não vem...
Gaivota me falou que ele anda em outras praias,
esculpindo novas formas.
Sinto que me abalo e me desmancho.
Rogo ao mar para que me leve!
Não tem sentido a minha existência,
sem o meu dono e senhor,
sem meu artista e criador.
Por ele nasci e por ele morrerei.

De volta ao início,
onde eu era apenas pó!

(Elís Cândido/novembro de 2011)

Os Lados


Há um lado bom em mim.
O morto não é responsável
Nem o rumor de um jasmim.
Há um lado mau em mim,
Cordial como um costureiro,
Tocado de afetações delicadíssimas.

Há um lado triste em mim.

Em campo de palavra, folha branca.

Bois insolúveis, metafóricos, tartamudos,

Sois em mim o lado irreal.

Há um lado em mim que é mudo.

Costumo chegar sobraçando florilégios,
Visitando os frades, com saudades do colégio.

Um lado vulgar em mim,

Dispensando-me incessante de um cortejo.
Um lado lírico também:

Abelhas desordenadas de meu beijo;

Sei usar com delicadez um telefone,
Nâo me esqueço de mandar rosas a ninguém.

Um animal em mim,

Na solidão, cão,
No circo, urso estúpido, leão,
Em casa, homem, cavalo...

Há um lado lógico, certo, irreprimível, vazio

Como um discurso,
Um lado frágil, verde-úmido.
Há um lado comercial em mim,
Moeda falsa do que sou perante o mundo.

Há um lado em mim que está sempre no bar,

Bebendo sem parar.

Há um lado em mim que já morreu.

Às vezes penso se esse lado não sou eu.



(Paulo Mendes Campos)

A Viagem




Deitado sobre a pedra fria
ouço os soluços ao longe
e os passos daqueles que se achegam
para o derradeiro momento.


Não sinto frio ou dor.
Na verdade nada sinto.
Um estado de completude me toma
e nada mais me falta.


Não sei para onde vou.
E não carrego bagagens.
Trago apenas as lembranças.
Guardadas dentro de mim.


Já não tenho mais desejos
ou sonhos, ou sofrimentos.
Estou aqui e é só.
Este momento derradeiro é tudo o que existe.


(Elís Cândido/novembro de 2011)

Frases e Pensamentos...



"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo."

(Carlos Drummond de Andrade)

Projeções


Em você encontrei
tudo o aquilo o que eu queria ser
E não era.
O sorriso fácil
As palavras soltas
Os passos firmes e decididos
E um leve descompromisso.
Este jeito criança,
meio travesso,
minha alma envelhecida encantou.
Eu me via em você.
Me espelhava em você.
Queria mesmo SER você.
Sem deixar de ser eu.
Sem me perder de mim.
Sem sair do pedestal.
Ou parecer tola...
Mas não consigo ser assim.
Então, basta-me refletir você.
À sua maneira.


Projeções de um amor que me completa!


(Elís Cândido/novembro de 2011)