A Bailarina

A Bailarina - Rita Cavallari















Ela rodopia,
como uma pluma ao vento.
Me enlouquece.
A Bela!
Seus seios marcados
na malha branca.
E ela também tão branca.
Neve.
Leve.
A cintura frágil.
As pontas dos pés.
Observo sua nuca.
Fios soltos teimam em cair.
Queria tocá-la.
Rodopiar com ela.
Enroscar-me.
Sem platéia.
Apenas nós.
Sinto minha respiração faltar.
A orquestra aumenta o ritmo...
Enlouqueço!
Último ato...
Ela cai, de amores, ao chão.
Eu me refaço.
Aplausos...
Gotas de suor em meu rosto.
Fecham-se as cortinas...
Do lado de fora respiro fundo.
Estou perdido!
Até quando irei conter
esta Fera que habita em mim?

(Elís Cândido/janeiro de 2012)

Exílio

Êxodos - Sebastião Salgado
Fomos exilados.
Já não podemos mais voltar.
Arrastados.
Humilhados.
Banidos.
Olhares curiosos ao redor.
Nada fizeram.
Não os culpamos.
É a força do medo que os paralisa.
É forte o algoz.
O poder é sua arma.
Ele controla a todos.
Nós, pequenos,
ficamos ali,
à sua mercê.
Ele manda.
Nós obedecemos.
A coragem já não vale nada.
Estamos todos nas mãos frias,
deste vil metal.

(Elís Cândido/janeiro de 2012)

Desiderata

(Max Ehrmann)

Acalanto



Pela janela entreaberta posso ouvir seus acordes.
Eles invadem minha casa e penetram em minha alma.
Fecho meus olhos e me deixo levar pela melodia.
Posso adivinhar cada compasso.
Meus dedos reconhecem o ritmo.
Respiro fundo o ar que vem de fora.
O vento acaricia o meu rosto, como se compartilhasse deste momento único.
Ah! A música...
Com seus pianos e violinos.
Ela me abala, me comove, me consola, me completa.
Tempestade e calmaria...
Sou o que ela quiser que eu seja.
Vou até onde ela me levar.


(Elís Cândido/janeiro de 2012)

O Baú


Era apenas um velho baú. Há muito estava esquecido no canto daquela sala. Não sei porque decidi abri-lo hoje. Em meio a uma daquelas limpezas neuróticas que toda mulher faz pelo menos uma vez na vida, eu decidi vasculhar cada canto da casa e me deparei com ele. Quieto. Parado. À espreita. Pensei por um momento se deveria ignorá-lo ou seguir em frente. Me sentei, puxei a almofada amarela que há tempos fazia dali sua morada e levantei a tampa. No começo, fui revirando cada caixinha, cada envelope, cada pedaço de papel, tudo sem muito interesse. Mecanicamente revirando... Mas uma foto já amarelada pelo tempo chamou minha atenção: era eu. Menina. Pequena. Sorriso nos lábios, cabelos presos num rabinho-de-cavalo meio desfeito. Minha cadelinha "Chiquita" abraçada apertado... Vestia um casaquinho de flanela xadrez, provavelmente feito pela minha mãe, que é costureira. Ao fundo, uma cerca feita de bambus desencontrados, o chão de terra batida, uma pedrinha onde eu me ajeitava para a pose... Muitas outras fotos estavam lá, naquele baú.Vi meus pais, abraçados, com cara de moçoilos casadoiros, muito antes de eu nascer. Vi meus avós, primos, tios, irmãos. Revivi momentos de alegria. Chorei lágrimas que, achei, já haviam secado. Senti falta daquilo o que um dia eu tive e já não tenho mais. Senti falta de algo que eu já nem sabia que me faltava.
Ali, naquele mesmo baú, encontrei as roupinhas de meus filhos, quando eram ainda bebês. Seus sapatinhos tão pequenos... O cheirinho bom ainda estava lá! Fotografias daquela barriga imensa! Dos primeiros passos, das carinhas sujas de papinha. Os primeiros dias na escola, o primeiro banho de mar! Uma foto de minha filha abraçada em seu pequeno cachorrinho, assim como eu em minha fotografia de criança...
Terminei de vasculhar o velho baú. Terminei a minha faxina. Depois do dia inteiro de trabalho, o corpo cansado me pedia um banho para relaxar... mas a minha alma, esta estava limpa, lavada e enxaguada com todas aquelas lembranças vivas dentro de mim.
Às vezes, é bom esquecer as preocupações com o futuro, parar por alguns minutinhos as tarefas presentes e se dar ao luxo de voltar ao passado.
Na sua casa não há um baú, te esperando em um canto da sala???

(Elís Cândido/janeiro de 2012)

Clown

Carequinha, o maior palhaço do Brasil
Quem não traz, da sua infância,
um sorriso de palhaço
guardado no fundo do peito,
lá onde dormem as lembranças.
Quem não sonhou com o circo,
em ser como o domador,
destemido e sedutor.
Andar pela corda bamba,
voar pelos ares num balanço de fitas.
Quem não amou as bailarinas, tão pequenas e tão bonitas...
Quem não traz, da sua infância,
um sorriso de palhaço,
guardado no fundo do peito...

(Elís Cândido/janeiro de 2012)






















Vida de Cigarra



Descobri hoje, assistindo a um programa na TV, que existe uma espécie de cigarra que fica durante dezessete anos escondida no solo, aguardando uma ordem da natureza para eclodir. Nesta dia, milhões e milhões delas saem da terra e invadem a floresta, numa cena de arrepiar, digna de um filme de terror. Elas sobem apressadas nos troncos das árvores, à procura dos galhos mais elevados. Durante esta noite mágica, estes pequenos seres, ao chegarem num local seguro, evoluem rapidamente de ninfas para as cigarras, aladas, que terão até ao amanhecer para amadurecerem e ficarem plenas, como nós estamos habituados a vê-las. Por terem tão pouco tempo para se habituarem a esta nova condição, as cigarras adultas são desajeitadas e caem facilmente dos galhos das árvores, transformam-se em presas fáceis para os outros animais. Centenas e centenas delas são devoradas, justificando-se aí a quantidade excessiva que eclode do solo. As cigarras que conseguem sobreviver a este primeiro dia, terão cerca de uma semana de vida para aproveitar. Elas irão voar, cantar, e acasalar, deixando seus milhões e milhões de ovos para garantir uma nova geração de cigarras, que só irá nascer passados novos dezessete anos. As cigarras adultas morrem e caem ao chão, garantindo a fertilidade do solo e a manutenção da vida e do equilíbrio na floresta.
Bizarro, não é?!


Eu queria falar de saudades.
Mas não havia ninguém de quem eu pudesse senti-las.
Eu queria falar de lembranças.
Mas elas foram esquecidas.
Eu queria falar das lágrimas.
Mas já sequei faz tempo.
Não há saudades.
Não há lembranças.
Não há lágrimas.
Virei pó.


(Elís Cândido/janeiro de 2012)