O Cancioneiro Triste


"Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E - mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem - pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes."
(Cancioneiro - Fernando Pessoa)

Sou como o cancioneiro triste,
que triste vaga pelos jardins.
Sinto os cheiros das flores,
observo suas cores,
mas nada sai a brotar de mim.

Sou apenas um cancioneiro triste,
caminhando pelos desertos,
lamentos saltam de minha boca,
enquanto trilho passos incertos.

Sou aquele cancioneiro,
que ao passar pelas janelas,
arranca gotas de saudades,
dos olhos das jovens donzelas.

Elas choram seus amores,
suas dores, decepções,
choram tanto estas donzelas,
ao ouvir minhas canções.

Um cancioneiro triste,
isto é tudo o que sou,
sem saber ser nada mais,
só o canto me restou.

Em meu caminho solitário,
muita gente nem me vê,
passa alerta e adiante.
Mas poderia ser você,
este cancioneiro errante.

Pois um dia tive vida,
tive um lar e tive amor,
mas a vida, esta bandida,
meus tesouros me tirou.

Terra infértil me tornei,
nada nascerá de mim,
a não ser estas canções,
que são lamentos de minh'alma,
que espera angustiada,
desta longa caminhada,
poder ver chegar o fim.

(Elís Cândido/setembro de 2011)

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