A vida no morro

Tarsila do Amaral
MORRO DA FAVELA
Morar no morro é bom. O povo daqui é gente humilde, trabalhadora, gente boa. É bom poder ouvir o vento brigando com as folhas das palmeiras, os gritos das maritacas em revoada, o apito triste do trem e a farra da molecada nos dias de pipas.
Nas tardes quentes de verão, as comadres e compadres sentam-se nos portões até o anoitecer, falando da vida alheia, falando da própria vida, falando das novelas, dos filhos, dos maridos, do futebol... Assuntos não faltam numa rodinha lá do morro. Não há nada que escape das matraqueiras de plantão. Quer saber das novidades? Apareça numa rodinha lá do morro...
No outono tem sempre frutas para alegrar a meninada. Tem goiaba, tem abacate, acerola, tem banana, jabuticaba, tem manga e cana também. Umas frutas se ganha, outras se rouba no pé. Coisas boas do morro!
A boa gente lá do morro não se fantasia. Cada um é aquilo que é, sem tirar nem por. Não precisamos fingir, todos sabem quem somos, todos se conhecem, todos compartilham das mesmas realidades. É claro que todo morro tem sempre uma "Conceição", como aquela da música do Calby Peixoto. Uma pessoa que vive travestida de madame, que não cumprimenta ninguém, que finge ser o que não é, mas não engana ninguém. Não aqui no morro... Mas este tipo é caso raro e serve para assunto nas rodinhas de portão.
Festa no morro é churrasco, com cerveja e (pasmem) vinho tinto bem gelado! Animação é o que não falta! E nem foguetes. No morro a gente solta fogos no Natal, na vitótia do time do coração, no Carnaval, no Ano Novo, no dia do Santo Padroeiro... Tudo é motivo para foguetório!
Cachorro aqui é comum. Toda casa tem um. Algumas casa tem dois ou três. Na minha casa temos cinco. Acho que a gente tem amor de sobra...
As travessas e bandejas passeiam de casa em casa. Tudo que a gente faz, divide. Vou levar um pedacinho para a Dona Cecília... e a vasilha nunca volta para casa vazia. Coisas do morro.
E estas coisas fazem do morro um lugar bom de se viver. Um lugar onde o tempo passa devagar, onde a vida é morna e colorida como as tardes de verão.
Morar no morro é bom!

(Elís Cândido/ 11 de agosto de 2010)

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