A Geladeira


Os capitalistas, os donos do mundo
não conhecerão esta pura alegria.
Esperar a geladeira nova
e a geladeira nova chegar.
O caminhão que para, o vulto branco que desce,
o cuidado do homem rude que nunca a possuirá,
uma faísca de sol nos metais de fecho de abrir,
os meninos que param em roda do caminhão, assistindo,
e eu, de camarote, da sacada do apartamento
assistindo.
Os capitalistas não conhecerão esta pura alegria:
esperar a geladeira
a geladeira de sete pés, branca e iluminada
que afinal chegou.
Agora haverá coca-cola, crush, e água gelada pra visita
e pavê de chocolate, e quanta coisa gostosa
que o frio preservará com seu sopro imortal.
O dial da geladeira  não faz jorrar música
mas fala inglês: "defrost, fast, freese, box";
Gosto de abrir a geladeira, ela se acende toda quando eu a toco,
fica festiva, bela e alegre, na sua brancura imaculada
e nos seus metais rebrilhando.
Sinto o hálito frio que me envolve o rosto
me apanha as mãos,
e uma emoção primária de conforto me dissolve
quando ela se abre para mim, feliz e sortida
nas suas entranhas burguesas.
Esta pura alegria, esta higiênica alegria
não sentirão os capitalistas,
é privilégio dos que vem de baixo, escalando a vida como alpinistas,
para encontrar a neve e o frio das alturas
na sua geladeira branca e cheia de sol!

(Poema de J. G. de Araújo Jorge  extraído do livro A Outra Face   - 1949)

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