O visitante
Hoje acordei e ao abrir meus olhos deparei-me com ele! Não me causou espanto ou mesmo me assustou. Somos velhos conhecidos. Sua presença me acompanha a longas datas.
Já não me incomoda mais sua face carrancuda ou seus olhos chispados de tensão e de ironia. Me incomoda o peso de ter que carregá-lo em minhas costas... Arrastá-lo para todos os lados como um preso arrasta suas correntes de ferro... Que fardo!
Escorrego da cama e sentada penso que vai ser um longo dia.
Sigo em frente no piloto automático, já que na verdade, não sou eu quem me conduz. Hoje quem tem as rédeas, a direção, é ele!
Todos os meus atos, minhas falas e até meus pensamentos hoje não são verdadeiramente meus. Ele sempre age por mim. Fala por mim. Pensa por mim.
Sou marionete, sou fantoche em suas mãos.
Houve tempos em que tentei me libertar. Quando percebia sua presença, fugia. Cantava. Assobiava. Trabalhava feito louca. Hoje não tento mais resistir... Se ele quer vir, então, que venha!
Afinal, como posso me exorcizar de mim mesma? Daquilo que também sou eu?
Melhor aceitar e conviver com ele.
Nestes dias em que eu sou ele (ou ele sou eu?) é melhor manter distância. Tentar me ajudar vai ser em vão...
Este visitante incômodo age sempre desta maneira: chega sem avisar, fica o tempo que bem quer e vai embora sem se despedir.
Tomara mesmo ele ir!
Ô mau humor que não me deixa!!
(Elís Cândido, julho de 2010)
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