O Baú


Era apenas um velho baú. Há muito estava esquecido no canto daquela sala. Não sei porque decidi abri-lo hoje. Em meio a uma daquelas limpezas neuróticas que toda mulher faz pelo menos uma vez na vida, eu decidi vasculhar cada canto da casa e me deparei com ele. Quieto. Parado. À espreita. Pensei por um momento se deveria ignorá-lo ou seguir em frente. Me sentei, puxei a almofada amarela que há tempos fazia dali sua morada e levantei a tampa. No começo, fui revirando cada caixinha, cada envelope, cada pedaço de papel, tudo sem muito interesse. Mecanicamente revirando... Mas uma foto já amarelada pelo tempo chamou minha atenção: era eu. Menina. Pequena. Sorriso nos lábios, cabelos presos num rabinho-de-cavalo meio desfeito. Minha cadelinha "Chiquita" abraçada apertado... Vestia um casaquinho de flanela xadrez, provavelmente feito pela minha mãe, que é costureira. Ao fundo, uma cerca feita de bambus desencontrados, o chão de terra batida, uma pedrinha onde eu me ajeitava para a pose... Muitas outras fotos estavam lá, naquele baú.Vi meus pais, abraçados, com cara de moçoilos casadoiros, muito antes de eu nascer. Vi meus avós, primos, tios, irmãos. Revivi momentos de alegria. Chorei lágrimas que, achei, já haviam secado. Senti falta daquilo o que um dia eu tive e já não tenho mais. Senti falta de algo que eu já nem sabia que me faltava.
Ali, naquele mesmo baú, encontrei as roupinhas de meus filhos, quando eram ainda bebês. Seus sapatinhos tão pequenos... O cheirinho bom ainda estava lá! Fotografias daquela barriga imensa! Dos primeiros passos, das carinhas sujas de papinha. Os primeiros dias na escola, o primeiro banho de mar! Uma foto de minha filha abraçada em seu pequeno cachorrinho, assim como eu em minha fotografia de criança...
Terminei de vasculhar o velho baú. Terminei a minha faxina. Depois do dia inteiro de trabalho, o corpo cansado me pedia um banho para relaxar... mas a minha alma, esta estava limpa, lavada e enxaguada com todas aquelas lembranças vivas dentro de mim.
Às vezes, é bom esquecer as preocupações com o futuro, parar por alguns minutinhos as tarefas presentes e se dar ao luxo de voltar ao passado.
Na sua casa não há um baú, te esperando em um canto da sala???

(Elís Cândido/janeiro de 2012)

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